As instituições de solidariedade social ligadas à Igreja sentem, como todas as outras, o dever de se avaliarem sobre a qualidade dos serviços que prestam, os equilíbrios financeiros, o ambiente laboral, as relações humanas em geral, as suas estruturas, a colegialidade dos órgãos sociais entre si e com os responsáveis de setor, o sentido de pertença daqueles que delas usufruem de uma ou de outra forma, como é que a sociedade envolvente as vê e aprecia… E, claro, se não estarão a escorregar para uma outra lógica que não a cristã, esquecendo o espírito das próprias instituições, o testemunho e a “carinhoterapia” que nelas deve imperar. Não basta a prestação de serviços tecnicamente aperfeiçoados. Esses são indispensáveis e exigidos, devendo ser prestados mais pela força do amor e da dedicação às pessoas, do que pela lei que obriga a tê-los. O amor aos outros, porém, não se impõe, não depende de normas ou leis exteriores, vem do coração e da capacidade de ver Cristo no outro. Há muitas destas instituições particulares, não ligadas à Igreja, que vivem e testemunham, com beleza e alegria, esse espírito cristão. Infelizmente, nem sempre isso acontece numa ou noutra das nossas, ligadas a Centros Sociais Paroquiais ou a Misericórdias! É caso para se dizer: “Casa de ferreiro, espeto de pau!”.
O mal-estar ou os chinfrins não remediados a tempo, fazem endurecer o ambiente, os serviços correm o risco de serem prestados em jeito de funcionalismo mal-humorado, de forma fria, ou triste e angustiada. Sabemos que a vida é difícil para todos. Alguns dos utentes, para além do peso da idade e das possíveis doenças, podem estar ali contra vontade por não ser o que desejavam e não terem alternativa. Os colaboradores, embora precisem e agradeçam o emprego, nem sempre é o que apreciam, nem o mais fácil ou o mais bem remunerado, é o possível. Se, por cima, ainda falta este fair play institucional e laboral e quem ajude a criar ambiente familiar e saudável, não raro, tudo se torna numa cruz muito mais pesada a fazer da vida um íngreme e elevado calvário. O facto de uma ou outra instituição, viver como se fosse uma ilha, fechada em si mesma em jeito de castelo amuralhado, sem interação com a comunidade, também não ajuda, complica. Se na convivência interna há mais encontrões do que encontros, quem fica magoado ou com alguma azia, mesmo que seja exceção, faz passar para o exterior a “sua” mensagem, à “sua” maneira. E isto interroga, desmotiva e faz com que o povo em geral e as próprias comunidades cristãs em particular, as olhe como qualquer coisa à parte, não suas. Desistem de marcar presença e desistem da partilha de bens e de tempo para as servir em voluntariado, um enorme potencial a promover e não a desmobilizar. Infelizmente, já ouvi quem visse no voluntariado uns seres estranhos a prejudicar a possibilidade de possíveis empregos. Para além de estar errado, assim não se gera empatia, nem corresponsabilidade, nem verdadeira solidariedade. Antes pelo contrário, e bem pior, a comunidade envolvente acaba por entrar também na lógica do bota-abaixo e da fiscalização de sofá, sem se sentir parte de um todo em que cada um tem uma quota parte de responsabilidade que, se outra não for, será, pelo menos, aquela que a sabedoria popular traduz no belo ditado: muito faz quem não atrapalha!
Nas Misericórdias, por exemplo, a maior parte dos Irmãos, mesmo que acreditemos que o tem, não manifesta esse sentido de pertença. Constituem uma Irmandade, é verdade, uma Associação cristã de Fiéis leigos. Não para os clericalizar, meter na sacristia ou pegar ao pálio, mas cuja primeira finalidade dos seus Órgãos Sociais deveria ser dinamizar os Irmãos para uma saudável formação e vivência da fé, com sentido de pertença e testemunho de vida coerente e condizente. Isso, porém, raramente existe, não se promove a formação, os Irmãos não aparecem, não se geram iniciativas para que haja mudança. Basta ver, por exemplo, quantos aparecem nas assembleias gerais! Poucos, e quase sempre os mesmos. Mesmo a nível da União das Misericórdias, tanto quanto eu me tenha apercebido, acho que não há grande insistência nem estímulo neste sentido. As Misericórdias não são uma mera organização não governamental, uma ONG, são mais qualquer coisa. As próprias eleições são para presidir à Irmandade, uma estrutura, digamos assim, de apostolado associativo, a seu modo, que se projeta na ação de bem fazer. É por isso que a tutela pertence ao Bispo. Os Lares, os Jardins de Infância e todos os serviços sociais que elas prestam deveria ser uma expressão da vida de fé dos Irmãos, pois a fé sem obras é morta! E se alguma aceção de pessoas fosse lícita fazer-se, deveria ser em favor dos mais pobres e excluídos, independentemente da sua crença religiosa. Esta, felizmente, não pode ser motivo de discriminação, tampouco fazer proselitismo religioso dentro das mesmas. Os funcionários, porém, mesmo que não sejam crentes ou sigam outra religião, têm o dever, como condição essencial para serem admitidos, aceitar o espírito fundacional e a orientação da instituição.
Sabemos que estas instituições sofrem de uma excessiva burocratização e grande dependência do Estado que, como lhe compete, apoia, fiscaliza e impõe. E bem, tem esse direito e esse dever. E, porque as apoia financeiramente e recebe as suas contas, deve agir de imediato, sem empapar, quando percebe que as derrapagens financeiras espreitam na esquina com efeitos de bola de neve. E mal, quando se entretém a ver rolar essa bola de neve e exagera em picuísses sem sentido, em excesso de zelo, apenas para manifestar que pode e manda. Se isto pode provocar uma certa subserviência da parte das instituições, também realça que os olhos do poder não as vê como estando todos no mesmo barco e a fazer o melhor que podem pelo bem comum, ajudando-se mutuamente, em legítima subsidiariedade. Tempo houve, não sei se há, que até proibiam que estas instituições aceitassem a oferta generosa de produtos agrícolas locais, como batata, fruta, legumes, etc. Faltava-lhes o “suspeito” brilho e a etiqueta de importação do quintal do vizinho! É certo que as leis são feitas em Lisboa e as praças desta dita não produzem disso, mas os senhores legisladores devem saber que não são as prateleiras dos hipermercados quem produz isso, e que a partilha generosa e solidária é pedagógica e bonita, deve ser promovida!…
Pelo que vou ouvindo em instituições dessas, fico a pensar que, quem as fiscaliza, esquece, por vezes, o sentido de responsabilidade, os esforços e a ginástica financeira que a maior parte destas instituições tem de fazer para sobreviver com qualidade e dedicação aos seus utentes e colaboradores. Por vezes, há problemas de consciência por saberem que, para poderem sobreviver, nem sempre lhes é fácil ter como prioridade absoluta os mais necessitados. De facto, se os utentes dessas instituições, pelas suas circunstâncias de idade e saúde, dormem pouco, e mal, os responsáveis, aqueles que as amam e servem, não dormirão muito mais, nem melhor. Pode haver exceções, é verdade, sempre as houve, sobretudo quando se perde o sentido da responsabilidade assumida e se fecha os olhos à realidade e os ouvidos aos alertas dos companheiros de missão. A crítica social logo tende a generalizar como se fossem todos iguais. E não são todos iguais!…
Os familiares, não o podendo fazer pessoalmente devido às suas condições de vida, muitas vezes nada meiga, querem o melhor para os seus familiares, apesar do sacrifício económico que tenham de fazer. Tantas vezes percebemos que este sacrifício também faz sofrer os idosos que sabem o enorme esforço que os seus familiares fazem para lhes oferecerem tais condições. Sim, como é que uma pessoa que passou uma vida sacrificada e sempre a trabalhar honestamente pode ter um fim de vida sereno e em paz, sabendo que, com a sua reforma miserável e sem uma família que a possa ajudar, nem sequer pode aceder a um lar sem ter de o mendigar e, se for aceite, sentir o martelar dessa morrinha de que está ali por favor?
Sabemos quanto a Igreja serve a comunidade humana no serviço social, quer assistencial quer de promoção humana e cultural, é o seu dever. Se nem tudo foi nem é um mar de rosas, sempre teve como base da sua filosofia social o princípio de subsidiariedade, princípio estruturante na construção duma sociedade saudável apostada no bem comum, no bem de todos e de cada um. Mas isto também implica a denúncia da injustiça e dos processos de empobrecimento, da desigualdade e exclusão. A Igreja, porém, somos todos os batizados. Não esqueçam isso, por favor! Há cristãos na política, na economia, na cultura, na comunicação social, nos lugares de influência e decisão, em toda a parte. Estão dentro dessas temáticas e das reais situações, e serão bem mais escutados do que os bispos e os padres. A denúncia também é um serviço, é uma expressão de atenção e amor que não devem esquecer ou delegar em ninguém. A omissão pode significar conivência e apoio à injustiça. A Doutrina Social da Igreja é um património e um desafio para todos, mesmo que alguns lá bebam e tenham preconceitos em citar a fonte. Paz e bem!
Texto original de www.religiolook.pt
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