A nossa páscoa – opção religiosa e política

Apaixão do mundo atualiza a Paixão de Cristo. A maioria da humanidade está a viver um verdadeiro calvário! Uma Semana Santa marcada pela dor e desespero de milhares de pessoas. Jesus no seu caminho até Gólgota é acompanhado por muitos peregrinos solitários, sofridos e angustiados. Famílias destroçadas vivendo a dor, a perda, o luto. Como Maria, a mãe que acompanha o Filho agonizante. A esperança na vida nova parece uma utopia distante.

Contudo, a crise não é só sanitária. É uma crise generalizada. É económica, política e social. “Tudo está interligado”. A pandemia e o colapso do sistema de saúde, a explosão do desemprego e da fome, escancaram as reais intenções de muitos governos essencialmente perversos – a concentração de riqueza na mão de poucos. “Essa economia mata!” (Evangelii gaudium, 53).

Porquê tanto sofrimento? Onde está Deus? Deus está surdo aos nossos clamores? Ou somos nós que estamos surdos aos apelos de Deus? Calámo-nos diante da vulnerabilidade humana e do planeta. O Papa Francisco mostra-nos que “na nossa avidez de lucro, nos absorve pelas coisas e nos transtorna pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nos sentimos em mar agitado, implorando: Acorda, Senhor!”

Deus não nos abandonou. Deus participa do sofrimento e da luta pela vida de milhares de pessoas nesta Semana Santa. Jesus sofre nos enfermos entubados, nos que clamam por oxigénio, por um leito, por sedativos, e até por uma morte rápida. Jesus sofre no abandono de quem vive nas ruas.sus está no motorista das ambulâncias, nas enfermeiras, médicos e seguranças dos hospitais. Está na oração e no empenho diário daqueles que, de uma forma ou outra, tentam solucionar o problema e levar esperança para os desesperançados.

Contudo, Deus não está presente em governos genocidas, insensíveis à dor e ao luto do seu povo.  Governos que cedem aos gritos de uma elite egoísta que condena os pobres à cruz da pandemia, da fome e do desemprego, da violência e da exploração desumana do trabalhador, da cruz do feminicídio e do racismo. Deus também não está sentado nas cadeiras de instituições omissas que lavam as mãos como Pilatos e nada fazem para aliviar o peso de tantos Cristos flagelados em sua via crucis.

Mataram Jesus usando o nome de Deus! Deus, em Jesus, Se fez humano, sofreu todo tipo de violência. A mesma que hoje se abate sobre os pobres e indefesos. Jesus viveu a sua vida para amar e amou até o fim. Foi torturado e condenado à morte por amar sem limites.

Muitas vidas dilaceradas, tantas cruzes sobre os pobres! Quando um cristão relativiza o sofrimento do irmão, já deixou de ser cristão. Porque ser cristão é ter a mesma compaixão de Jesus. É ser capaz de sofrer com os que sofrem, de chorar com os que choram. E quando um pais é um vale de lágrimas, um gigantesco cemitério. A Paixão de Jesus repete-se na vida de todos os flagelados pela pandemia, pela fome, abandonados pelos poderes deste mundo. Neles, tocamos a carne de Jesus crucificado. “O ser humano é um reflexo do Cristo, porque foi criado por meio Dele e em vista Dele” (Colossenses 1,15-17).

O Tríduo Pascal é o evento mais impactante da história. A cruz de Jesus é símbolo maior do protesto de Deus contra sistemas e governos violentos. Ser cristão é ser discípulo de um torturado, condenado à pena de morte e crucificado. E isto vale mesmo para países que se dizem cristãos.

Nestes tempos de luto e angústia, que a celebração da Páscoa reforce o compromisso dos cristãos por mais vida, justiça e fraternidade. Cristão de verdade não recua diante da perversidade. Nunca! Muito menos agora! Feliz Páscoa!

Foto – Paróquia de Ferreira, Diocese do Porto

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