Antigo presidente da União das IPSS aborda resposta à pandemia e relação entre Estado e Instituições Sociais
“O nosso Estado não funciona, não funciona. Ele é muito bom a mandar, a fazer regras, mas não há uma consciência. Eu lamento dizer isso, mas como cidadão livre e atento, digo: o nosso Estado devia empenhar-se muito mais na resposta à ajuda aos mais necessitados. Não admito que se ande a pedir, por esmolas, aquilo que é devido por justiça social”, indica o convidado da entrevista conjunta Renascença/Ecclesia, publicada e emitida semanalmente aos domingos.
O religioso fala de um Estado “calaceiro”, recordando a sua experiência de negociação com responsáveis políticos.
“Dava a impressão de que nos faziam um grande favor quando pagavam parte do muito que nos deviam. E houve muita necessidade de bater o pé, e batê-lo forte”, lamenta.
O Estado tem de cumprir os compromissos que estabelece; de facto, havia uma lógica que era o pagamento até 75 por cento, porque os grandes encargos das instituições são os seus trabalhadores e nós temos a noção de que muitos trabalhadores recebem salários muito aquém daquilo que seria justo pagar-lhes”.
O padre José Maia foi eleito presidente da União das Instituições Particulares de Solidariedade Social a 6 de fevereiro de 1988, cargo onde permaneceu durante 14 anos, culminaram com a transformação da UIPSS na atual CNIS – Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social.
O entrevistado questiona os debates que surgiram, em plena pandemia, sobre a divisão público/privado, sublinhando que, “quem tiver camas e respostas, neste momento, em consciência ética é obrigado a pô-las ao serviço da comunidade”.
“A tragédia com que o país está confrontado não se compadece com essas coisas ridículas, tacanhas, ideológicas”, observa.
O responsável defende maior intervenção cívica e política dos católicos, num país onde “há muita coisa a denunciar” em termos de justiça social.
“Nós temos é de encostar o Estado à parede. Eu não gosto de pedir. Encostar o Estado à parede”, declara.
O padre José Maia refere ainda que, após a pandemia, a situação das pessoas idosas deve merecer “grande reflexão”.
“Dar anos à vida tem sido importante, o que nós não estamos a ser capazes é de dar vida aos anos, é de fazer que pessoas mais idosas tenham oportunidades”, precisa.
Questionado sobre a suspensão das Missas públicas, neste novo confinamento, o sacerdote considera “natural que a Igreja queira dar um sinal, ela mesma, de que é bom ter esta precaução e criar todas as condições para que se evitem aglomerações de pessoas”.
Texto Ecclesia, por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
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Um bem-haja ao Senhor Padre José Maia. Não só pelas suas considerações, uma vez que todas as pessoas “honestas sensatas” têm consciência das injustiças sociais, levando-as a perceber a mediocridade e falta de responsabilidade ética de quem governa. Quando da boca de um religioso/Padre ouvimos “Nós temos é de encostar o Estado à parede. Eu não gosto de pedir” e ainda “O nosso Estado não funciona, não funciona. Ele é muito bom a mandar, a fazer regras, mas não há uma consciência. Eu lamento dizer isso, mas como cidadão livre e atento, digo: o nosso Estado devia empenhar-se muito mais na resposta à ajuda aos mais necessitados. Não admito que se ande a pedir, por esmolas, aquilo que é devido por justiça social”. Ao ler estes argumentos ditos pelo Senhor Padre, percebe-se de imediato o comprometimento que este Homem assume.
Nesta sociedade hipócrita, os argumentos que visam levar à luz do dia uma veracidade escondida por acomodação aos princípios regulados pelo Estado ganham uma dimensão de enorme valor.
. Maravilha! Quando tal julgamento é exposto livremente por alguém ligado à Igreja é algo de extraordinário. Sim! As pessoas deviam sentirem-se cansadas de ouvir teorias de boas intenções e palavras moralistas desajustadas à realidade do que as/nos envolve.
Temos aqui um padre comprometido e indignado, numa sociedade composta por pessoas que deixaram de idealizar, de sonhar e de se responsabilizarem individualmente. Capacitado de se posicionar livremente, é ser um verdadeiro Padre um Ser “superior” neste novo tempo.
No que me diz respeito, apreciando a filosofia da Bíblia que guia o catolicismo, mas— sentindo-me incapacitada de perceber a falta de boas práticas dos seus seguidores, tanto no manifesto como nas concessões e bondades. Consigo agora, com este depoimento que acabei de ler, ficar esperançada de uma nova corrente católica.
M.Fernanda Calado