As creches dos sector social estão debaixo de grande pressão em resultado da atitude política de alguns municípios tendo em vista a interpretação que fazem das consequências do processo de aceitação de competências na área social e agora o Governo acaba de abrir a possibilidade de as creches privadas receberem crianças com o apoio do Estado.
Embora às creches das IPSS esta possibilidade não represente um perigo estrutural, a forma como alguns municípios estão a interpretar as “competências” transferidas é motivo de grandes preocupações sobretudo para os seus dirigentes preocupados que estão na estabilidade de gestão das organizações.
Acontece que a “transferência de competências” para os municípios está a ser interpretada por alguns como aceitação de uma “tarefa matricial” da sua acção, levando estas autarquias a iniciarem uma intervenção na sociedade civil em concorrência directa com as IPSS ao construirem (várias) creches no mesmo território.
Nesta acção, de nada vale falar do “princípio de subsidariedade” tão usado nos anos 90 quando pela primeira vez se desenhou esta tentativa pelo então Ministro Valente de Oliveira e tão contestada pela UIPSS-União de Instituições Particulares de Solidariedade Social hoje conhecida por CNIS.
Acresce que esta concorrência directa coloca os dirigentes sociais numa situação delicada de saberem que no dia-a-dia da gestão estão a concorrer com o poder local que querendo (agora) ocupar espaço na solidariedade o fazem também sob chapéus de outra natureza e que acabam por afectar a decisão final dos pais no momento de escolher a “vaga para os seus filhos”.
O interesse dos líderes políticos
Os dirigentes sociais conhecem esta tentação que não sendo de hoje sempre conheceu o interesse dos líderes políticos (no poder e na oposição) em participar nas associações locais, e têm experiência suficiente para perceber que no diálogo comunitário as influências do poder e do contrapoder devem ser acolhidas como opções possíveis.
Mas agora, em alguns municípios, assistimos a uma autêntica “municipalização de actividade” numa espécie de OPA (operação pública de aquisição) muito parecida nos efeitos (de descapitalização) com o que aconteceu às Misericórdias depois de 1975. É certo que nessa altura se procedeu à “nacionalização” e sabemos o trabalho que deu esse trabalho de “libertação”.
Contudo, com esta opção, de carácter difuso, desagregado e local, o efeito de potencial e progressiva descapitalização das IPSS coloca estas numa posição de fragilidade maior, sendo necessário identificar os concelhos onde isto acontece. As IPSS isoladas são mais frágeis e a capacidade de afirmação é menor.
Este novo contexto encontra também as instituições num crónico problema que tem a ver com a renovação dos seus dirigentes – uma tarefa árdua, dada a crescente dificuldade em encontrar pessoas disponíveis nas comunidades em participarem nesta função social, tendo em conta o tempo necessário, o que significa nos dias de hoje ser figura pública, e as responsabilidades (formais/sociais/bancárias) que lhe são pedidas exercer a favor de todos.
Sector privado à espreita
Apertadas pois pelo apetite de envolvimento “a favor das pessoas” por alguns municípios, e a disponibilidade dos capitais privados em investir em “funções públicas (se possível com apoios do Estado) ficam as instituições e os seus dirigentes enquadradas num ambiente que lhes é desfavorável e onde a tentação de desistência será muito grande.
E assim aparecerão palmas de contentamento para que também aqui aconteça o espelho do sector da saúde, tão apoiado pelo capital das seguradoras que como sabemos mais não são que a face visível do capital financeiro que os bancos representam.
Retirar à sociedade civil a sua capacidade de sobrevivência (quando se devia apoiar o seu desenvolvimento) pode ser uma tentação moderna, em nome de ideias bem desenhadas, embora sem tempo de memória para que nos identifiquemos com elas.
E que interesse pode ter uma sociedade de autómatos, providos de multibanco, garantidos por cartão partidário, seguros pelo perfume do poder, e ao mesmo tempo caminharmos na estrada deserta que perdeu a beleza dos seus jardins?
Por Arnaldo Meireles
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