A propósito do Congresso da CNIS, em Viseu

As IPSS são o melhor rosto da coesão social do nosso país, contudo os diferentes governos tratam-nas como os parentes pobres nas políticas de desenvolvimento comunitário, sendo disso exemplo a recente tentativa de “descentralização de competências” para as autarquias.  Porque é que isto acontece?

Nos anos 80 tiveram as IPSS de encetar uma luta gigantesca para assegurar na legislação portuguesa a sua “autonomia” de acção e que culminou com o acolhimento na Constituição da República de um artigo que baseia a sua relação com o Estado mais tarde traduzida em “acordos de cooperação”.

Uma análise destes sucessivos acordos manifesta à evidência uma tensão inerente à concepção do Estado e da Sociedade, do campo de acção daquele e liberdade de criação da segunda. Todos os dias temos sinais desta tensão que de tão antiga já deveria estar resolvida. Mas não está e poderá mesmo aumentar.

A libertação da sociedade civil

As crescentes dificuldades das IPSS acontecem numa sociedade cada vez mais dependente da decisão do poder e quase incapaz de acolher a livre iniciativa dos cidadãos. Vemos isto na economia, verificamos também no desenvolvimento das nossas organizações sociais, permanentemente vigiadas pelos braços armados do Estado – serviços da Segurança Social, das Finanças e agora também da Educação.

A voracidade regulamentar destas instituições constitui um garrote à livre iniciativa das organizações que se vêem obrigadas à normalização das medidas, limitando assim a criatividade e liberdade de gestão das mesmas, acabando por “funcionalizar” os dirigentes amarrados que ficam a limites de gestão definidos e emanados por quem olha para a realidade do social com a visão oficial e normativa e de quem quer impor um modelo, tantas vezes expressão de convicções ideológicas quando não de classe.

Este espírito de “controlo” e imposição da “norma” lembra tempos antigos e ditatoriais mas permanece sobe a linguagem de teatro democrático colocando os dirigentes das IPSS sob pressão conhecedores que são de “inspeções” tantas vezes maquinadas por razões estranhas à acção da organização mas com resultados esperados de outra natureza, normalmente partidária.

Não se pode assim estranhar a dificuldade crescente de as IPSS encontrarem e seduzirem os seus melhores para ocuparem os cargos nos respectivos órgãos sociais. O ambiente de pressão sobre a gestão, as responsabilidades assumidas por quem aceita esta função são factores de desmobilização porque o ambiente social e político tende a definir um ambiente de “normalidade” dependente da narrativa oficial e de poder que tudo invade.

Este problema político afecta a liberdade das organizações mas é sinal da degradação da democracia social que importa enfrentar. Paradoxalmente as IPSS são fundamentais na luta para esta libertação. Porquê?

  • Em todas as localidades temos hoje IPSS a funcionar, com valências adequadas às necessidades das populações
  • Estas instituições são escolas de democracia, acolhendo e escolhendo aquelas pessoas que dos seus melhores aceitam voluntariamente trabalhar em ordem ao fortalecimento dos laços sociais da comunidade;
  • Os serviços comunitários prestados permitem às famílias ocuparem-se com as suas tarefas diárias e assim cumprirem o seu projecto de vida.

Uma sociedade livre e civilizada acarinha os seus, sobretudo crianças e idosos, que, desprotegidos pelas famílias têm direito e (nós o dever ) de serem acolhidos em estruturas de desenvolvimento social. As IPSS garantem isto e com serviços de excelência. E permitem que perguntemos o que sendo evidente anda escondido da narrativa oficial: que país teríamos hoje sem a capacidade de resposta instalada em todo o território?

Este património social e político é reconhecido pela sociedade civil mas merece a proteção do Estado que falta sobretudo naqueles momentos em que produz legislação, tantas vezes elaborada em atitude de disputa de poder, com ramificações nas diversas Autarquias dedicadas que estão na “pesca à linha” dos votos necessários para a sua legitimação.

A luta por uma sociedade aberta, livre e civilizada pode ser o caminho de afirmação das nossas organizações e o princípio para uma nova narrativa de serviço às comunidades locais que permita a todos a libertação das novas pobrezas que nos afectam.

Uma nação, dois países

A democracia que temos constrói-se numa nação una, mas com duas faces: o país do litoral e o país do interior. Esta condição matiza os modelos de gestão das IPSS, que, infelizmente e até agora, não encontram reflexo no modelo de (sub) financiamento das organizações, traduzido nos acordos de cooperação.

O Poder tem dificuldade em reconhecer estas duas velocidades atraído que está na linguagem do “sucesso” de um país que sobe numa escada que desce. Analisar a vida interna (que o Estado tanto verifica) das IPSS permitiria conhecer esta dolorosa situação, sobretudo naquelas que acolhem idosos, em situação de necessidade.

Um país pobre, cada vez mais pobre

 

A luta necessária contra a pobreza

As IPSS são a estrutura nacional mais capaz de enfrentar um programa de luta contra a pobreza no nosso país. Desprovidas de (pre)ocupações de índole partidária, estão em condições de proximidade nas comunidades, com conhecimentos concretos de situações locais e com pessoal trabalhador e dirigentes competentes para enfrentarem esta prioridade social.

Falta de facto a decisão política que tenha a humildade de olhar de frente para esta calamidade e permitir a estas organizações que entrem na resolução deste problema.

A economia que cria o problema da pobreza não conhece as metodologias que a possam resolver: só com programas de intervenção local, que as IPSS podem e sabem oferecer, poderá o país garantir a quem precisa mecanismos de libertação da situação precária em que se encontra.

Dirigentes livres e autónomos

As diferentes narrativas do poder, a predominância da “pensamento oficial” e a consequente redução da liberdade de gestão tem afastado muitos dos dirigentes, tantos deles fundadores destas organizações frequentemente substituídos por funcionários da instituição. Uma calamidade com efeitos ao retardador que tende a transformar as IPSS em extensões do “serviço público”.

O necessário e inevitável refrescamento dos órgãos sociais precisa de ser assumido como prioridade estratégica do movimento social necessitado que está de uma escola de formação de dirigentes: homens e mulheres livres, dedicados ao outro e desinteressados da visão partidária de circunstância.

Pessoas capazes de liderar as organizações sociais com vocação comunitária, prescindindo das benesses da remuneração e dispensando os palcos partidários. Líderes modernos interessados em promover as organizações pelo serviço comunitário que prestam, deixando aos filhos e netos uma comunidade local justa e solidária, sobretudo integradora e por isso capaz de promover o gosto e o sentimento de pertencer à coisa pública.

O Congresso da CNIS

As IPSS vão estar reunidas em congresso de 7 a 8 de Junho, em Viseu, para discutir as “políticas sociais”. Acontece depois de dois anos de pandemia. Surge no momento certo e pode – desejamos – ser oportunidade para recentrar as preocupações e prioridades do movimento solidário português.

O país está atento. Esperemos que o Estado também.

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Por Arnaldo Meireles

 

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