Dia 7 de março de 2020, o telemóvel toca pelas 20:00 horas, do outro lado, uma ajudante de lar informa que tinha sido contactada pela DGS, iria ficar em isolamento profilático, por contacto com pessoa positiva para o Covid-19.
Dia 8 de março, comemora-se o Dia da Mulher, e nesse mesmo dia, iniciou a luta e proteção dos residentes, pela equipa 100% constituída por mulheres.
Dia 8 de janeiro de 2021, completaram-se 10 meses de confinamento no Lar. Tudo mudou. Todos os idosos ficaram em casa/Lar, separaram-se as pessoas dentro da sua própria casa, distanciaram-se as pessoas nos espaços, dividiram-se os residentes por pisos, momentos de refeição em tempos distintos, menos convívio à mesa, suspenderam-se atividades lúdicas e recreativas, diminuiu-se a convivência, as visitas dos familiares e amigos deixaram de se realizar, as consultas médicas passaram a ser por telefone ou canceladas.
As profissionais viram os seus horários modificados, afastaram-se das suas próprias famílias e reestruturaram as suas rotinas de vida. As regras de higiene e segurança foram reforçadas, novas regras interiorizadas, na garantia de cuidados durante 24 horas sobre 24 horas, as equipas deixaram de se cruzar e de conviver nos momentos de pausa, incutiu-se a lavagem e desinfeção constante das mãos e o uso de máscara foi desde o primeiro momento implementado.
Com o uso diário das máscaras, deixamos de ver o rosto, as expressões, sobretudo o sorriso, mais um entrave à comunicação entre equipa e idosos associado à restrição do toque como expressão de afeto, os abraços deixaram de existir. Os impactos negativos da pandemia fizeram sentir-se para além do contágio: menos estímulos, menos contacto social, menor acompanhamento dos serviços de saúde, menor atividade física… o “menos” passou a ser “mais”, há mais doenças por tratar, mais perda de memória, mais dependência física, mais isolamento, mais solidão, mais afastamento da família, mais tristeza…
Começam a surgir as primeiras notícias de surtos de Covid-19 em Lares, persegue-se o rasto do contágio, luta-se com o desconhecido, culpam-se pessoas e procedimentos tomados. Procuram-se razões para as mortes, que ocorrem de modo alarmante nos Lares. A descoberto ficam situações precárias de prestação de cuidados sociais e de saúde, de tratamento negligente aos mais velhos deste país.
As “sirenes” alarmam e chamam atenção para um grupo esquecido da sociedade, os entregues aos cuidados dos Lares. Os Lares são colocados em causa e por arrasto os profissionais que dedicam a sua vida, o seu dia a dia a esta população. Exercer a atividade profissional num Lar, seja Diretora ou Trabalhadora de Serviços Gerais, é mais do que uma profissão, pois dá-se corpo a uma missão que é cuidar do outro.
Considerando que o Lar deverá ser um último recurso quando a família não existe ou não pode dedicar-se a esse papel, a Pessoa idosa terá que ter os seus direitos garantidos e assegurados quer pela instituição, onde estes se encontram a viver, quer pelo Estado que deve promover medidas e formas de garantir que as instituições cumpram o seu papel de cuidar dos mais velhos, garantindo-lhes bem-estar e qualidade de vida.
O Estado aparece como financiador e como fiscalizador, não criando relação pedagógica com as instituições e deixando para terceiro plano a intervenção junto deste grupo da população.
Os Lares existem e são uma realidade e uma resposta social importante, não são depósitos de pessoas esquecidas. A atitude estigmatizante em relação aos Lares reflete-se na falta de atenção efetiva a que estes foram votados, existe como que um descuido consentido pela sociedade e pelo próprio Estado, que a pandemia veio colocar a descoberto. Modificar o olhar e a intervenção exige-se, devendo ser mais positiva e humana para com uma resposta social que muitos dos idosos continuam a precisar.
Ana Cristina Alves Ferreira, Social Worker na empresa Clinica de Hemodiálise de Felgueiras, Diretora Técnica das Respostas Sociais da 3.ª Idade na Santa Casa da Misericórdia de Felgueiras e Professor Assistente Convidado no Instituto Politécnico do Porto.
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Excelente artigo… A constatação de uma realidade que teimam em fazer de conta que não existe…
Parabéns