O conflito ucraniano e Portugal

É muita e variada a desinformação que tem acompanhado este conflito. Refiro-me às habituais centrais de intoxicação da opinião pública com eco imediato nos principais meios de comunicação social cujos pontos de vista são depois ad nauseam replicados por quanto comentador e opinador existe, desde os credenciados por aquelas centrais àqueles que muito se esmeram por obter as “credenciais” que os habilitem a outros voos. A acrescentar a tudo isto a enorme e porventura propositada confusão sobre o que realmente está em jogo.
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Nada melhor para compreendermos o que se está a passar do que tentar perceber o que realmente está em jogo. Do nosso ponto de vista o que realmente está em jogo naquele conflito é a defesa de interesses nacionais variados.
Em primeiro lugar, o interesse nacional da Ucrânia consubstanciado na sua segurança e na garantia da sua integridade territorial consideradas suficientemente protegidas com a integração do pais numa aliança como a NATO.
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Do lado da Rússia o que está também em causa é a segurança nacional que ficará gravemente comprometida se o seu território continuar a ser cercado por uma aliança hostil e belicista, como aconteceria, se além dos Estados situados na proximidade da Rússia já pertencentes à NATO, também a Ucrânia dela passasse a fazer parte, aumentando assim dramaticamente o potencial militar inimigo na periferia das suas fronteiras.
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Finalmente, há o interesse dos Estados Unidos no alargamento territorial da NATO até às fronteiras da Rússia no quadro de uma estratégia imperialista que lhe permita dominar toda a Europa, quer fazendo pressão sobre as fronteiras da Rússia com vista à sua subjugação futura, ou, em caso de conflito, à sua mais fácil dominação, quer mediante o controlo que passaria a ter sobre praticamente todos os Estados da Europa; aliás, foi o interesse nacional dos Estados Unidos que atiçou este conflito e o mantém incandescente, visto ele servir o interesse americano, quer haja quer não haja reacção da Rússia, na medida em que já conseguiu colar à sua estratégia ofensiva todos os Estados Europeus que integram a NATO, mesmo nos casos em o seguidismo dessa estratégia lhes seja altamente prejudicial.
E quais são os interesses dos outros 29 países da NATO? Ou, focando-nos no que realmente nos importa, quais são os interesses portugueses a defender neste conflito? Pode considerar-se que a adesão da Ucrânia à NATO representa para Portugal um interesse nacional relevante? Não, não é, de forma alguma.
Ninguém pode seriamente afirmar que a adesão da Ucrânia à NATO satisfaz um interesse nacional. Para Portugal é completamente irrelevante que a Ucrânia pertença ou não há NATO, embora essa adesão já não seja irrelevante se dela puder resultar um conflito na Europa. Portanto, o primordial interesse nacional a defender por Portugal é a paz. Mas pode perguntar-se se é legítimo ou aceitável buscar a paz a qualquer preço. Se estiver em causa um interesse nacional transcendente, obviamente não. Mas se não estiver, a paz é sempre preferível à guerra.
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E poderá seguidamente perguntar-se: e é também irrelevante para Portugal a segurança da Ucrânia? Não, não é irrelevante, como igualmente não é a de qualquer outro país, devendo Portugal na medida das suas possibilidades e nas instâncias internacionais em que participa pugnar pela inviolabilidade daquele interesse. Só que a Rússia tem um interesse nacional semelhante, de modo que a inviolabilidade do interesse de uma das partes não pode ser alcançada à custa da violabilidade do interesse da outra. E é neste preciso enquadramento que se situa o interesse nacional português, tanto como membro da NATO como da União Europeia: a segurança da Ucrânia pode conseguir-se fora do contexto da NATO e sem que a eficácia da sua defesa ponha em causa a segurança da outra parte.
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De facto, não apenas por exigência constitucional, que repudia todas as formas de imperialismo, como pela imposição de relações de cooperação em condições de reciprocidade com todos os países, a Portugal repugna a guerra como meio de resolução de conflitos, permitindo-lhe a paz, pelo contrário, granjear relações de cooperação que contribuam para a sua prosperidade e para o relacionamento com todos os povos do mundo sem distinção.
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Considerações de outra natureza que não tenham em conta a defesa dos interesses nacionais só servem para fazer a defesa de interesses alheios com base em princípios e valores que a prática diariamente desmente pela acção daqueles que hipocritamente mais os invocam para por essa via condicionarem ou mesmo coagirem terceiros a fazer a defesa de interesses que não são seus e que frequentemente os prejudicam e muito!
Assim, deve parecer a qualquer cidadão português absolutamente inadmissível que o Governo português se comprometa na defesa de interesses que não são seus e cuja adesão pode pôr em risco a paz na Europa.
O Governo não tem qualquer legitimidade para à revelia da vontade popular e de outros órgãos de soberania sujeitar-se ou “colar-se” à defesa de interesses que nada nos dizem e de cujo comprometimento podem resultar para resultar para Portugal os maiores danos: políticos, económicos e, em caso de guerra, de vidas humanas. É preciso fazer chegar ao Governo a mensagem de que está a usurpar um poder que não é seu e muito menos de qualquer organização internacional de que Portugal faça parte, salvo da ONU quando decide com carácter imperativo e vinculatório, o que não é nem será o caso.
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Por José Manuel Correia Pinto

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