Clericalização da CNIS em velocidade furiosa

Em duas pistas, discute-se hoje no seio da Igreja Católica como escolher a nova direcção da CNIS, numa atitude de afirmação “dos valores cristãos” para uns e de “expressar a força da Igreja” para outros. Ambos numa vertiginosa viagem que tendo começado, sobretudo, em Janeiro, pretende chegar à meta (que pode ser antecipada) com o controlo da organização.

Estas movimentações surpreendem – as organizações sociais da IC, sobretudo os centros paroquiais, sempre foram aceites e reconhecidos na sua originalidade, existindo em toda a Confederação o consenso de saber como as IPSS se agruparam em Portugal e qual o contributo da diocese do Porto (sobretudo) na sua criação (então UIPSS – União das Instituições Particulares de Solidariedade Social).

Quem acompanha as eleições internas da CNIS também sabe que as instituições eclesiais filiadas são suficientes para disputar e ganhar qualquer eleição, mesmo hoje que já não sendo maioria, são capazes de responder a um apelo eleitoral. Esta capacidade de mobilização não se regista nas instituições laicas, pelo que sem sobressalto a IC tem, teve e terá o controlo da direcção da CNIS – aliás bastará verificar a composição da actual, se alguém tem dúvidas.

Tendo em conta a actual situação poderá, portanto, perguntar-se “porquê a pressa” e porquê a necessidade de “aumentar a sua representação” e concomitantemente garantir o controlo total. Mas porquê isso se desde o início e até hoje sempre a IC planeou, decidiu e mandou, outrora na UIPSS e hoje na CNIS?

Algo estará a correr mal?

A última grande alteração orgânica na CNIS aconteceu em 2015 com os novos estatutos Esta alteração verifica-se com a criação das Uniões Distritais, de eleição própria e a consequente legitimidade democrática, além de fazer coincidir a “geografia” do território destas uniões com o território das dioceses.

À luz da disputa (interna) eclesial, será esta distribuição o motivo dos novos apetites de poder que agora se verificam, dada a garantia do controlo da direcção nacional. Sentirão alguns dos senhores bispos a necessidade de decidir também aqui? uniformizando a narrativa e escolhendo as novas lideranças locais? garantindo o controlo na sua “jurisdição”? Provavelmente.

Acontece que esta leitura “da coisa pequena” não consegue valorizar a CNIS que temos: plural, exemplo maior da sociedade portuguesa enquanto aberta, plural e democrática. E, acrescente-se, criada, promovida e sustentada pela IC sem a qual não teria nascido. (Será preciso escrever aqui o papel de Monsenhor Vergílio Lopes de Viseu que depois de restaurar as Misericórdias encontrou no padre Orlando e Costa e no então vigário-geral da diocese do Porto – Armindo Lopes Coelho, o alento para o pontapé de saída?)

Este “aperto da ortodoxia” que se pretende aplicar à CNIS está pois ensaiado desde 2015. Depois disso outros sinais já verificados falam por si: a criação da federação Solicitude, na diocese de Lisboa.

Esta federação visa:  a defesa dos valores e interesses dos seus associados e a promoção da cooperação e do aprofundamento da sua natureza, identidade e exercício da missão em conformidade com os valores do Evangelho.

Diria que esta identidade poderia ser subscrita pela UDIPSS de Lisboa – a maior do país – desde que deixasse cair a “conformidade com os valores do Evangelho”, sabendo nós que muitas delas (senão a maioria) o praticam sem a necessidade de o plasmar no documento fundacional.

Mas fazemos hoje em Portugal o “caminho da afirmação” – coisa estranha que herdamos de um mundo global, aberto e plural. Caminho que se pretende impor à CNIS, no que será um retrocesso civilizacional e atrevo-me a escrever – de facto não tenho autoridade nem nomeação para o fazer – retrocesso também eclesial.

“Estaremos curados desta esquizofrenia colectiva? Ou teremos mudado apenas o sinal algébrico e o sentido dos movimentos colectivos? Mudar o sinal altera as grandezas quantativamente; mas é de mudança qualitativa que precisamos. Inverter o sentido do movimento pode ser útil; mas o que precisamos é de mudar de direcção, deixando de ser homens unidimensionais. A revolução política está feita; precisamos da revolução moral” – Dom António Ferreira Gomes, 1975, in I Volume “O Pensamento Social e Político.

Por Arnaldo Meireles

 

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