Jovens vivem e compartilham o presente virtual, mas sonham com um futuro real. Os nativos digitais não têm líderes porque não precisam deles
A nova consciência ambiental na sociedade hipertecnológica: os jovens que crescem com tablets e smartphones, vivem e compartilham o presente virtual, mas revelam uma necessidade real de futuro. Talvez mais do que a geração “filha” da TV. São cada vez mais numerosos na Europa e no mundo, os jovens que se manifestam para lembrar aos líderes de seus respectivos países, mas também a todos nós, que não resta muito tempo se realmente quisermos intervir sobre as alterações climáticas, invertendo a tendência.
Algo deve ser feito – eles dizem – e rapidamente. Devemos agir logo, se quisermos deixar para as gerações futuras um ambiente que possa ser habitado da mesma forma como nós o estamos habitando. Esta é também uma questão de justiça: de justiça intergeracional. Esses garotos são directamente interessados, portanto, têm o direito de intervir. Mas eles não podem tomar medidas eficazes porque não são eles que podem tomar as decisões básicas. Diante de tais questões, muitas vezes se sentem impotentes. É por isso que eles se fazem ouvir. É por isso que eles se dirigem a nós, adultos.
Mas quem são os garotos que se manifestam nas sextas-feiras? Devemos ter cuidado para não enquadrar suas acções nos esquemas e nas categorias que estamos acostumados a aplicar. Sabemos perfeitamente que foi Greta Thunberg quem inspirou a Global Strike for Future, que relançou o tema da emergência ambiental com sua determinação e teimosia. Mas, em retrospectiva, não é necessário identificar a todo custo um líder, um personagem para seguir – ou para insultar – para agradar os media, para colocá-lo no altar e depois, imediatamente, arrastá-lo para a lama. É inútil, por exemplo, procurar uma “Greta milanesa”.
Uma democracia que desconfia da organização hierárquica
Os garotos não têm um líder porque não precisam dele. É a rede que age como um vínculo, não uma pessoa. O que nos leva a participar é um tema compartilhado, não uma palavra de ordem repetida e aceita passivamente. Basta olhar para os banners exibidos nas manifestações, irónicos e pungentes.
Há, de facto, outro senso de democracia que aqui se anuncia: uma democracia que desconfia de qualquer organização hierárquica, de qualquer reivindicação de autoridade. Liderança e populismo, agora, dizem respeito apenas aos idosos. É preciso também evitar de considerar esses garotos como um todo homogéneo. Eles não o são.
Nas ruas há meninas e meninos, com diferentes sensibilidades e diferentes fragilidades. Adolescentes e pessoas um pouco mais velhas. Há aqueles que – e esta é a maioria – se manifestam pacificamente. Há alguns outros que só querem faltar às aulas ou criar confusão. Não é de se admirar: acontece em todas as boas famílias.
Na realidade, porém, esses garotos nós não os conhecemos de facto. Eles são, ou poderiam ser, nossos filhos, nossos netos, mas não os conhecemos. No entanto, não há necessidade de se alarmar. Isso sempre aconteceu. Aconteceu inclusive quando nós tínhamos a idade deles. A gente se fechava em grupos com os nossos colegas, ficávamos impermeáveis aos olhos dos nossos pais. Era isso que preocupava estes últimos na época; é isso que nos alarma hoje. Mas, na realidade, para entender quem são os garotos que saíram às ruas, já temos algumas pistas.
Escolhemos ter poucos filhos para poder segui-los em todos os sentidos
Eles são uma geração acostumada a interagir com o mundo e a se relacionar entre si e connosco principalmente através de alguns dispositivos de comunicação. Não se trata de “nativos” ou “nascidos” digitais, independente do como quisermos traduzir a feliz expressão criada por Mark Prensky. De fato, ela parece referir-se a uma atitude adicional que nossos garotos desenvolveram em relação a nós, seres que viveram numa era principalmente televisiva. Essa capacidade, no entanto, é muitas vezes superestimada. Entre os “nativos digitais” há certamente quem vive com o smartphone sempre ligado, e depende dele, mas que não sabe gerir um programa Word ou não sabe como funciona o sistema regulador nas autoestradas.
Em parte sabemos, no entanto, quem são esses jovens. Somos nós que os educamos e nem sempre da maneira mais sábia. Nós os protegemos e mimamos. Nós colocamo-nos ao seu serviço permanentemente, passando a ideia de que o mundo foi feito apenas para eles. Escolhemos ter poucos filhos para poder segui-los em todos os sentidos. Nós os colocamos no centro das atenções. E ao fazê-lo, colocamo-nos em posição de não poder ensinar-lhes nada, ou nada que fosse aceitável para eles. Confundimos a autoridade cega, à qual se deve apenas obedecer e que justamente precisava ser superada, com aquela respeitabilidade que, por si só, permite transmitir valores credíveis: e nós abolimos ambas.
Numa palavra, deixamos os nossos garotos em muitos casos por si mesmos. E enquanto para nós a educadora foi a televisão, para eles foram o iPad e o smartphone. Que, além disso, não os ensinamos a usar correctamente, assim como ninguém nos ensinou a descodificar as imagens transmitidas pela TV. Assim, outros valores foram recebidos: aqueles transmitidos pelas plataformas. As plataformas, a própria palavra diz, tudo achatam, tudo colocam no mesmo plano, tudo tornam homologado. Pode-se tratar todo mundo por “você”, pode-se manifestar sempre e de toda maneira a própria opinião, não importa qual competência alguém tenha sobre um determinado tópico, simplesmente porque se tem
E aliás, nesse contexto, nada realmente é propriamente meu. Qualquer coisa que seja acessível na rede, podemos torná-la nossa, podemos baixá-la, podemos copiá-la.
Isso não é um problema, na medida em que nós mesmos, sem problemas e sem medos, compartilhamos as nossas imagens, os nossos dados, a nossa vida mesmo com aqueles que só querem justamente se apropriar deles. Na rede, de fato, tudo é público.
O uso de tecnologias de comunicação criou novas formas de socialidade
Mas junto com isso, o uso de tecnologias de comunicação criou novas formas de socialidade, novos vínculos. E essa é realmente a novidade do nosso tempo. Não só potencializou os vínculos já existentes, mas, em muitos casos, substituiu antigos modelos de relação por novos elos. Acima de tudo, possibilitou que todos nós vivêssemos todos juntos novas emoções e novos problemas. Os nossos garotos estão apenas fazendo isso. Percebendo, mesmo que nós não o digamos a eles, que esse novo mundo virtual tem consequências na realidade do dia-a-dia, e que a realidade é algo difícil, algo que tem suas leis e com a qual, mais cedo ou mais tarde, teremos que nos confrontar. Como acontece no caso das mudanças climáticas.
É uma situação feita de luzes e sombras, claro, como todas as situações que caracterizam o ser humano. É por isso que nos coloca diante de escolhas muito específicas. Os nossos garotos perceberam isso.
E começam a aplicar o que caracteriza profundamente as suas vidas – isto é, o uso de ferramentas que os mergulham em ambientes digitais sempre novos – o futuro que os espera. Ou seja, começam a perceber que eles deverão ter um futuro. Que não basta o tempo real e reconfortante que as tecnologias oferecem. Graças a elas, de facto, também é possível fixar um momento especial numa foto que eu posso colocar no Instagram e compartilhar com meus amigos. Mas para mim e meus amigos, se ainda quisermos ter realmente a possibilidade de lembrar essa imagem, um futuro no final deve existir.
O Google também nos lembra disso. De vez em quando, de facto, no nosso smartphone é apresentada hoje uma foto tirada no mesmo dia há um ou dois anos. Mas – vamos pensar sobre isso – para que a foto tirada hoje possa ser desfrutada por nós daqui a um ou dois anos, teremos pelo menos que nos encontrar nas mesmas condições em que estamos hoje. Isso os nossos garotos o entenderam melhor que nós e certamente melhor do que os nossos governantes. Se isso não acontecer, a tecnologia, em vez de ser um instrumento de entretenimento e compartilhamento, acabará se transformando apenas numa ocasião de pesar.
Texto: Adriano Fabris, professor de Ética da Comunicação na Universidade de Pisa, em artigo publicado pelo jornal Avvenire, Itália.
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